domingo, 9 de maio de 2010

Em Quem Você Confia? (Parte 2)

Fiquei muito feliz ao ler o comentário do Rufino pouco depois de terminar o texto anterior. Eu terminei prometendo mais, e o Rufino formulou exatamente a pergunta que estava em minha mente ao fazer essa promessa: "(...) como uma pessoa pode reconhecer em outra o mestre que ela precisa (...)?" Sorandra, logo a seguir, contribuiu com valiosas reflexões, lançando já alguma luz sobre o tema (mesmo que indiretamente), e será inevitável repetir aqui parte dessas ideias. Você pode ler (ou reler) estes comentários seguindo este link.

Aliás, já é hora de deixar aqui um agradecimento formal aos leitores que têm contribuído com comentários. Vocês elevam a qualidade do conteúdo destas páginas de maneira profunda e relevante. Muito obrigado!

O medo de confiar e decepcionar-se ou ser enganado é natural e compreensível. Confiar implica correr riscos. Não confiar também. A questão é decidir quais riscos estamos dispostos a assumir na busca do auto-aperfeiçoamento.



O risco de confiar em um "falso mestre" é superestimado. Ouvimos histórias de charlatões aproveitando-se da inocência e boa vontade das pessoas para alcançar vantagens pessoais (como ganhar dinheiro), e nos apavora um dia tornar-nos um dos "iludidos".

Mas devemos confiar em nossa capacidade de identificar os ensinamentos verdadeiramente valiosos para nós e escolher bem nossos mestres. Quando ouvimos algo que nos inspira, isso significa que estamos diante de uma ideia alinhada com nossas crenças interiores, com nossos princípios e valores.

Mesmo quando tais ideias vêm de uma pessoa com más intenções, isso não significa necessariamente que elas não são válidas. Mesmo os charlatões podem sim, eventualmente, ajudar as pessoas.

Ou seja, mesmo se confiarmos na pessoa errada podemos aprender e melhorar. E se confiarmos na pessoa certa... bem, já tratamos disso no artigo anterior. Em geral, é bem pior deixar de confiar em um verdadeiro mestre pelo medo de que seja um charlatão do que confiar em um charlatão pensando que é um mestre. Quando sua intuição for confiar, confie. Se errar, aprenda com o erro, fortaleça-se e siga adiante.

E o que dizer de confiarmos em pessoas totalmente desconhecidas? Assustador? Talvez, mas fazemos isso todos os dias.

Por exemplo, imagine-se dirigindo em uma estrada de mão dupla, com apenas uma pista em cada sentido e apenas uma linha tracejada pintada no asfalto separando uma pista da outra. Você sabe que deve manter-se sempre do lado direito da linha tracejada, para não invadir a pista reservada aos carros que viajam no sentido contrário.

Mas como vai saber se os demais motoristas vão cumprir esta regra também? Você confia. A cada curva corre o risco de encontrar alguém vindo no sentido contrário sem respeitar a linha tracejada e sofrer um acidente potencialmente fatal. Mas você confia. Por quê? Porque, se não confiar, não vai a lugar algum.

Pense em todas as pessoas desconhecidas em quem você confia todos os dias para poder movimentar-se, trabalhar, estudar, produzir. Nosso mundo funciona com base na confiança (como todas as crises econômicas da história mostram muito bem).

Agora que já percebeu o quanto confiar é natural, entenda que se quiser aprender e melhorar em qualquer área de sua vida deve utilizar sua capacidade de confiança para tornar-se um bom discípulo.

Porque a qualidade do discípulo é mais importante que a qualidade do mestre. Aprende mais o discípulo que confia em um mestre medíocre do que o discípulo que tem um mestre extraordinário mas não confia nele.

Porque todo aprendizado vem de dentro para fora. Você não aprende com o que seu mestre faz, mas sim com o que você faz. Aqui vou ter que citar diretamente o comentário da Sorandra: "(...) você aceitou a confiança que seu mestre depositou em SUA capacidade de realizar tal manobra. No fundo, você, através de seu mestre, confiou em você mesmo! O mecanismo de construção da confiança é sempre bilateral e envolve risco. Seu mestre confia em você, você arrisca, acerta... você confia em seu mestre."

Isto me lembra como alguns de meus alunos ficam irritados com minha maneira de lidar com perguntas em sala de aula. Eu nunca as respondo, mas sim formulo novas perguntas para o aluno. Alguns não entendem esta atitude como uma demonstração de minha confiança na capacidade de o aluno responder sua própria pergunta, e insistem em receber uma resposta direta que provavelmente será esquecida em poucos dias. Porque se eu respondo, mesmo que ele fique satisfeito, eu nunca sei se ele realmente entendeu. Mas se ele responde, eu sei que assimilou o conhecimento de forma permanente.

Há alguns anos participei de um programa da TVE chamado "Comentário Geral", e gravei uma entrevista de cerca de 20 minutos. Como de costume, após a edição a entrevista foi reduzida a menos de um minuto, terminando com a frase: "O papel do professor é deixar de ser necessário."

Orgulho-me bastante desta frase até hoje. O aluno precisa confiar no professor para que este o ajude a confiar em si mesmo. Depois disso, o professor deixa de ser necessário.






2 comentários:

  1. Luciano, quando eu lhe fiz essa pergunta, comentando seu post anterior, acho que, no íntimo, eu desejava que você relacionasse, por ítens,as maneiras pelas quais podemos reconhecer o verdadeiro mestre.

    O que me parece é que eu desejava ler um texto de auto ajuda, apesar de odiar livros de auto ajuda (sou muito preconceituoso em relação a eles). Mas olha só eu próprio querendo uma receita de bolo vinda do amigo.

    Confesso que quando li seu post ontem fiquei primeiramente entusiasmado, até porque eu creio que já faça isso que você propôs na minha vida, apesar de nunca ter me dado conta disso. Só que depois eu notei que, apesar de ser contra, eu esperei de você um receituário para seguir. Pois bem: me deu um nó na cabeça :-).

    Mas fique tranquilo que o nó já foi desfeito. E o que fica é a vontade de te instigar cada vez mais. E, cá entre nós, é sempre gratificante sermos pegos de surpresa. É muito bom saber que existem tantos ângulos possíveis para cada uma das questões dessa vida. Que nunca o que for bom para você necessariamente será bom para mim e vice versa.

    Querido, parabéns de novo e fica meu desejo de que seu blog seja mais visto, mais lido e mais comentado.

    Abraços,
    Rufino

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  2. Vou aproveitar o comentário do Rufino para expressar uma opinião rápida sobre o termo "auto-ajuda", especialmente aplicado a livros.

    Para mim, TODOS os livros são de auto-ajuda. Porque eu leio os livros para me ajudar. E se continuo lendo um livro até o fim é porque sinto que está me ajudando. E sou eu que leio, então é uma auto-ajuda. Estou lendo Sêneca (super intelectual, bom para exibir e fazer pose) e é uma tremenda auto-ajuda!

    Dito isto, eu entendo o preconceito que o Rufino expressa, e já fui vítima dele algumas vezes. Ou seja, estou sendo contraditório, assim como foi o Rufino quando esperava um texto de auto-ajuda ao mesmo tempo que odeia esse tipo de texto.

    Por exemplo, fiquei anos sem ler o livro "Os sete hábitos das pessoas altamente eficazes" porque o título me soava exageradamente "comercial", sugerindo essas "receitas de bolo" baratas que nos fazem ter preconceito contra os livros de "auto-ajuda".

    Até que um dia tive a sorte de ouvir uma entrevista com o autor do livro, Stephen Covey, e percebi a profundidade das suas ideias, e como estavam alinhadas com meu próprio pensamento.

    Então li o livro, o que me auto-ajudou profundamente. Pouco tempo depois li-o novamente. E frequentemente releio trechos dele. É uma de minhas principais referências hoje em dia, e repito várias ideias do Stephen Covey em minhas aulas e palestras. Certamente este blog contém um bom número delas também, mesmo que de forma indireta.

    Resumindo: Abaixo o preconceito! Se o livro interessa, demos-lhe uma chance. Sempre podemos deixá-lo de lado se nos decepcionarmos (aliás, este é um ótimo hábito - nada nos obriga a terminar o que começamos, e às vezes o mais inteligente é largar o livro, desligar a televisão, sair do cinema... e dedicar nosso tempo a algo melhor).

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